19.6.15

A minha mãe



 era uma filha da puta. E não é por estar morta que o deixo de pensar. Nunca percebi essa coisa de não dizer mal dos mortos e branquear tudo o que fizeram. O bem, esse é nos mortos preservado e passam a anjos barrocos.
Não no sentido de puta, mas de má, cruel e profundamente egocêntrica. Digo isto já sem nenhuma paixão, sentimento ou mágoa. Esses acabaram. Mas se por acaso contar alguma história desses tempos será sempre com a mesma angústia, o mesmo terror a mesma raiva e o mesmo ódio que na altura senti. É sempre assim, relembramos os sentimentos e são eles que nos levam ao que os causaram.
Para poder sobreviver naquela casa, tão novinha, tão insultada, arranjei uma couraça que, conforme os anos foram passando, se ia integrando na pele e fê-lo tão completamente que é por isso que todos esses sentimentos escorrem por mim, reconhecendo-os mas sem marcar.
Desprezava as mulheres fossem filhas ou conhecidas, ah! porque só tinha conhecidas, amigas não, ou por outra, era amiga de três primas que nunca lhe fizeram sombra: uma era corcunda, outra dedicava-se à família que estava doente e a terceira era viúva e nunca se interessou por mais ninguém.
Só lhe interessava os homens, menos o marido de quem nunca gostou nem quando namorou ou casou, amores platónicos e ficava ainda mais frustrada por só serem platónicos, não sei se por não ter coragem ou por serem imaginados
Deu cabo de sete filhos com o marido, nosso pai, a ajudar. Um doido outra cruel.
Viva a família disfuncional

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