14.4.19

Violência


Tem bom coração. No fundo é bom, tem aqueles ataques de loucura, mas no fundo é boa pessoa.
Não foi assim educado. Não? Houve sempre tanta violência em casa.
É um filho da mãe do pior.

A dualidade existiu muito para lá do razoável.
Difícil a condenação sem perdão, que não houve, até um dia. Atenuantes, sim. Sem explicação.
Era alcoólico, mentiroso, mau carácter, vigarista, sem honra.
Era o irmão que mais gostava, o outro já tinha morrido.

Na véspera, tínhamos combinado ir ao cinema, mas o telefone, nesse dia, não era atendido e resolvemos passar pela casa deles, não fosse ter a conta por pagar.
Quando nos viu ficou atarantado.
Que a mulher estava deitada com uma enxaqueca, não podiam ir ao cinema...mas quis vê-la.
O quarto estava na semi-obscuridade, ela tapada até ao queixo. Sentei-me na beira da cama, os olhos a habituarem-se à penumbra, enquanto lhe perguntava como se sentia. Foi quando respondeu que lhe doía o corpo todo que vi a cara toda negra e num repelão puxei o lençol para trás.
O corpo dela tinha sangue pisado por todo o lado. Chorava envergonhada.
Ela estava envergonhada, céus e eu numa fúria descontrolada, estava tão mas tão envergonhada, por ele, por mim, por o ter como irmão, por não conseguir voltar-lhe as costas definitivamente.

Essa dualidade existiu durante muitos anos, demasiados anos, até um dia.
Então houve o corte, sem apelo nem agravo.