8.7.17

Nãosei que nome dar

Não sei se sabem como são estas coisas, mas eu preciso que me digam com brutalidade, ou a esperança renasce quando come alguma coisa, quando me sorri sem estar a chorar, quando o vejo a dormir sem dores.
Apesar de saber que os antibióticos foram retirados, já não há hipótese de o salvar, a esperança esta lá, já bem no fundo, mas existe e essa mata-me aos bocadinhos a dúvida, nos quilos que vou perdendo, no cansaço psicológico, já perto do esgotamento. Mas tudo vale a pena por essa esperança.
Não conseguia pensar, menos em dizer, vai morrer, mesmo com a evidência ali colocada bem em frente  de mim.

Hoje, uma antiga amiga, que trabalha, há 30 anos,  no hospital onde ele está, já sem pachorra para me aturar, ao telefone, disse-me 'estás cheia de sorte. As bactérias hospitalares costumam matar em quinze dias, no máximo em mês e meio e já o tiveste hospitalizado há sete meses. Está condenado'

Fiquei-lhe agradecida, agora só espero o desfecho que, infelizmente, não está assim tão perto.
Quanto tempo falta, não sei, estou à espera que os órgãos comecem a falhar, ou que haja qualquer hemorragia interna e a bem dele, espero que seja catastrófica. Sei apenas que quero estar com ele todos os minutos e as visitas são de quatro horas.
Não quero que morra sozinho. Não quero que morra sozinho e não o posso trazer para casa.

Não sei como vivo, não sei como vou viver sem ele.

47 comments:

Isabel Pires said...

Inconfessável, tenho andado a pensar nisto desde que publicaste... assim: volta e meia, vem.

Eu acho que ninguém sabe como são estas coisas porque com cada pessoa é diferente, acrescido da diferença de quem se trata.
Por uma experiência pela qual passei, julgo que nos sentimos (eu senti) mais apaziguados se tivermos a sensação de ter dito tudo, de não ter ficado nada por dizer. Estou a escrever isto e ao mesmo tempo a pensar que é preciso ter sorte de se conseguir fazer em tempo útil.
A pessoa estar lúcida ou não faz muita diferença, em relação a vários aspectos e alguns não são bons.

Se não há hipótese de retorno, é melhor que faças essa preparação interior, o luto, e de algum modo interiorizares esse sobressalto do momento em que te avisam ou que estás lá e vês.
Só vi uma pessoa morrer, na sala de fisioterapia, durante os meus tratamentos. Já contei isto, que está num suporte menos perene que estes dos blogues... Uma mulher que conheci ali. Nunca mais me esqueci.
Sinceramente, não sei dizer-te se nessas circunstâncias, preferia assistir ao final.

Seja o que for que vier, eu sei que vais reerguer-te porque nós temos, se também fizermos por isso, uma capacidade gigante de nos reestruturarmos.
Não vai ser igual daí para a frente, mas é o teu diferente possível.

Boa semana (apesar das circunstâncias)

Luis said...

...




(nunca sei o que dizer)

inconfessável said...

Sabem, apesar do que os médicos dizem, ele está a melhorar, aos bocadinhos.
Voltaram a pôr o antibiótico
Sabe-se tão pouco nos hospitais. É tão difícil fazer com que falem connosco.

Isabel Pires said...

Parecem ser boas notícias... Que bom.

Inconfessável, há uma ou duas coisas que queria dizer ali atrás e não disse.

Julgo que fiquei a pensar muito no momento da morte daquela mulher por causa da forma como morreu. Foi por sufoco e estava lúcida. Muitíssimo aflitivo. Tinha uma doença degenerativa que lhe causava atrofias progressivas na zona do tórax, com compromisso a nível da deglutição, da fala e da respiração. Era por isso que ela fazia fisioterapia todos os dias e encontrávamo-nos sempre às oito da manhã (ela sorria-me sempre e acenava) pelo que me ia apercebendo da situação, mas sem imaginar aquele desfecho assim, aflitivo, e tão breve.
Quero com isto dizer que a forma como se morre, e sobretudo a percepção que quem está presente tem da dor e do sofrimento, deixa-nos marcas diferentes e também nos leva a tomar opções diferentes quanto ao que disseste, quando é possível optar.
Por isso, e depois de ter pensado mais um bocado sobre o assunto, acho que consigo entender-te melhor.

Não acho que o tempo tudo cura e que faça com que tudo passe.
O tempo pode ajudar a amaciar as memórias, as do sofrimento e das perdas, quaisquer que sejam, e a trilhar o caminho da aceitação. Está lá e não é o tempo que faz com que custe menos (falo em termos genéricos de acontecimentos e circunstâncias), mas o tempo aviva-nos a consciência de que é preciso continuar.


(Não sei se fiz alguma coisa que impediu que a tua resposta ficasse publicada... Recebi e para mim está bem. Só não sei se fui a causadora de alguma coisa e tu preferisses de outra maneira.)

inconfessável said...

Isabel Pires

Nem penses que me disseste alguma coisa que caiu mal.
Comigo, nada cai mal, ou raramente me ofendo com respostas, palavra, desde que estejamos a trocar ideias.

Penso que respondi ao teu email directamente e não passei por aqui.

Assisti à morte da minha avó, que foi mais do que minha mãe. A morte foi calma, estava, dizia-se na altura, com arterioesclorose, e já não conhecia ninguém há dois anos.
Dizia muitas vezes que a única coisa que pedia a deus, era não ficar dependente de outros. Ficou e de que maneira.

Com a minha mãe, sabíamos todos que tinha um pavor da morte e de morrer sozinha. Também ficou dependente e acamada. Pedi para ficar em casa das minhas irmãs, onde estava, nessa noite, tinha a certeza que morreria em poucas horas e não me deixaram.
Soube que uma das minhas irmãs, percebeu que estava a morrer e foi para a sala para não assistir. Fiquei triste.

Não sei quem morrerá primeiro, que isto da morte pode aparecer de um minuto para outro.
Sei que sim, que tens razão, o tempo amacia tudo, mas demora e até lá passa-se pelo 'inferno'.
São sete meses e meio em hospitais vários, a assistir a muita incompetência e também a muitos bons profissionais, à espera de cura que não sei se aparecerá, se conseguirão, se a bactéria hospitalar vencerá ou não.
Tenho, obrigatoriamente, de encontrar esperança, porque ando muito perto do esgotamento, psicológico, mental e físico e por isso muito perto do desespero. Neste momento, não é o meu momento, é o dele.
beijinho

Luis said...

O que disseste dos hospitais fez-me lembrar um coisa, que os hospitais parece que não foram feitos para as pessoas mas sim para as doenças.

Depois lembrei-me que isto é muito parecido com o que um médico meu me disse um dia. Que não há doenças, há doentes.

inconfessável said...

Luís
A desgraça é que há doentes e doentes, ou familiares.
Há os besuntam as mãos a enfermeiros e auxiliares, e aí a coisa provavelmente passa. Como não o faço, tudo se complica.
Depois há os novos e os velhos. os velhos são mesmo muito mal tratados. Trabalhei durante 14 anos em hospitais, aprendi muito com médicos e enfermeiras, além de ser capaz de raciocinar sobre qualquer assunto, mesmo que não saiba nada sobre ele, o que não é o caso.
Embora tenhamos seguros de saúde, sempre disse, cá em casa, que coração, AVCs e oncologia só em hospitais públicos.

A bactéria, uma das mais terríveis, atacou o coração (endocardite) e ossos, cabeça do fémur, coluna lombar e cervical (osteomielite).
Foi no Hospital da Luz, onde foi tirar uma pedra da bexiga e sabendo eles que a tinha, deram-lhe alta e isso é que é imperdoável
Reentrou a 6 de Janeiro.
Como tinha de ser operado ao coração, pedi transferência para o Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide. Dos melhores hospitais públicos portugueses.
Foram impecáveis, mas a sua especialidade é coração, sobre ossos, sabem quase nada.
Cuidam e tratam. A palavra a não esquecer é 'cuidar'.

Todos os outros por onde temos passado, Amadora /sintra, principalmente, são terríveis.

Luis said...

O meu pai foi operado ao coração (válvula) também no Hospital de Santa Cruz por endoscopia. Conheço bem. Depois disso começou uma via sacra de entradas e saídas de hospitais. De uma das vezes ficou imenso tempo internado com uma infecção (nunca cheguei a saber de quê) que o obrigou a estar em isolamento e as visitas sempre de máscara e bata. Recuperou mas continuou a passar mais tempo no hospital que fora dele, por causa disto ou daquilo.

Não gosto de Hospitais. Quem lá trabalha acaba por ficar imunizado dizem.

Gostava que vocês saiam de lá e depressa. E sei que irá acontecer, mesmo que não seja tão depressa como se queria.

Luis said...

Reparei que a minha primeira parte pode ser visto como mau presságio, que não era minha intenção. O caso dele complicou-se dado que já tinha bastante idade, e durante a vida nunca se cuidou, antes pelo contrário. E mesmo assim recuperou das maiores contrariedades.

Luis said...

não é à toa que comecei logo por dizer que nunca sei o que dizer :)

ah e sorrisos e risos fazem sempre falta, se soubesse o que dizer agora contava uma coisa com piada ;)

inconfessável said...

Apanhou uma bactéria hospitalar.
o 'meu' também está em isolamento, batas e luvas, máscaras não aguento, e o mais estúpido é que lhe dou 'n' beijos na boca e não apanho nada. Devo ser mesmo má rês :)

Odeio luvas, de qualquer género, agora imagina o que é estar perto de nove horas diárias há mais de 7 meses com elas calçadas. Tenho-lhes um ódio LOL
Não senti mau presságio. É assim.
...e a frase estúpida, mas verdadeira, 'um dia de cada vez'. :)

Isabel Pires said...

Quanto mais difíceis e adversas são as situações, mais devemos apelar ao nosso lado assertivo, bom, de negociação e até brilhante no sentido de encontrar algo que nos empurre para a frente. Isto não tem nada de religioso ou místico, que até são "zonas" muitíssimo distantes de mim.

Há um tempo para lutar no sentido reivindicativo e há um tempo para lutar sem o empecilho do ruído que muitas vezes desvia do essencial e que implica desbaratar energias que são precisas para fazer caminho difícil.
E seja lá a evolução que aconteça, este caminho é difícil e vai sê-lo durante um certo tempo. Mas nem tu, Inconfessável, nem o teu doente, são pessoas desgraçadas. Não estou a dizer isto com aquele espírito de comparação de sofrimentos com que às vezes se diz "mas há pessoas que estão pior, há quem tenha problemas maiores", porque considero injusto, perverso e desprovido da humanidade e solidariedade de que as pessoas precisam nessas alturas. Digo que não são pessoas desgraçadas no sentido de que têm oportunidades pela frente e julgo que com equilíbrio, e isto é mais para ti claro, para conseguir mais. Tenho a sensação de isto parecer muito teórico, muita conversa fiada, mas até estou a pensar em coisas práticas. Este conseguir também tem que ver com o conseguir mais do corpo clínico, mais tratamentos, etc.

Não estou a referir-me a suborno, a passar por cima de outros, a coisas que se vai conseguir pela graxa.
Sabemos que em qualquer lado, em qualquer profissão e seja no que quer que se faça, quando se age com determinação, afabilidade e bom senso, é provável que nos prestem mais atenção e que nos concedam mais.
E nos hospitais isto também é assim, até porque é um ambiente de grande stress, para quem lá trabalha e para quem tem de estar.
Já passei por algumas situações em que estive hospitalizada, fiz cirurgias e outros tratamentos, assim como familiares, e julgo que o não ter perdido o pé naquilo que estava ao meu alcance refrear vontade de disparar, ajudou no que se seguiu. Até houve uma ocasião em que tive a consciência nítida que esse tipo de atitude fez muita diferença porque me disseram.

Onde quero chegar é que convém manter a calma e a serenidade (e vai buscar isto onde tu quiseres; inventa), no meio do estado de alerta que também precisas de ter.



inconfessável said...

Isabel Pires

Normalmente não sou agressiva.
Só o fui uma vez no Amadora/Sintra. Mas lá, em 12 dias aconteceu o impensável.
Primeiro no SO. Começaram a dar-lhe um antibiótico que, no 'meu', tem efeitos secundários. Perde a lucidez, tem pesadelos horríveis, durante os quais grita (tudo isto contado por todos os enfermeiros de Santa Cruz e quando acorda não percebe que entrou na realidade e tenta atirar-se da cama abaixo para fugir ao pesadelo. Isto num homem que mal se consegue mexer.
Avisei dois médicos do SO, que fazem turnos de 24H cada um. Olharam para mim com ar paternalista, dizendo que os antibióticos não provocam o que acabara de descrever.
O resultado foi deixarem-no cair da cama, rebentando com todos os catéteres e fazendo com partisse o esterno transversalmente, depois de uma cirurgia de peito aberto ao coração feita há um mês.
Quando perguntei a razão de estar amarrado não me disseram que tinha caído.

Entretanto, houve vaga no serviço de infecciologia onde me disseram que lhe tinham feito um TAC à cabeça por ele ter caído e partido a cabeça. Fizeram também uma eco ao coração e um RaioX. Que estava tudo bem.

No segundo dia neste serviço, houve um escalonamento de dores nas costas, que nunca tivera, escalonaram também o analgésico que não fazia nenhum efeito, entremeado com paracetamol, igual a água.
Os médicos entraram em greve, mas o serviço mantinha alguns médicos. Isto durou três dias e ele chorava com as dores.

No quarto dia, décimo segundo, da estadia neste hospital, quando entrei ao meio-dia, disse-me que na véspera por volta das dez da noite, chamara um enfermeiro e se queixara que deixara de conseguir comandar as pernas, que nessa manhã já se tinha queixado a duas enfermeiras diferentes e não tinha, ainda, aparecido nenhum médico.

Fiz-lhe os testes de paralisação, ainda tinha sensibilidade, mas já não conseguia mexer os dedos dos pés.

Passei-me. Entrei na sala de médicos, sem bater à porta e aos berros perguntei-lhes se tão incompetentes que deixassem um doente chegar a paraplegia sem sequer o irem ver.
Mas que por enquanto ainda lá não tinha chegado por ainda ter e apenas sensibilidade.

Os três deram um salto, fizeram perguntas e três horas depois estava a caminho do Egas Moniz para o serviço de neurocirurgia, onde foi operado dez minutos depois de ter entrado. Tinha tido uma hemorragia brutal, grossa e que lhe apanhava sete vértebras.
Oito dias depois é mandado para Santa Cruz, por acharem que havia alguma coisa estranha com o esterno.
O cirurgião fez-lhe uma pergunta e quando ele começou a falar o médico deu um salto e disse, 'espere lá, você está com o esterno fracturado, depois pôs-lhe a mão no esterno e só nessa altura se soube que tinha realmente uma fractura horizontal do esterno.

Bloco operatório no mesmo dia. estava já com uma infecção enorme, que o cirurgião não estava à espera.
Quinze dias depois é mandado para o Egas porque alguns pontos da cicatriz das costas estão infectados.
Vai mais uma vez para o bloco.

Ora, O Amadora/sintra com o RaioX que lhe fizera sabia, com certeza, da fractura, mas não mandou nenhum relatório sobre a mesma, e a queda também desaparecera. Diziam que o doente batera com o esterno na cama.

vai voltar, penso que esta semana para o Amadora e vai ser terrível.

Por isso, a falta de pachorra para médicos e enfermeiros estar num pico, mas não o demonstro.
Tenho, ainda, algum bom senso.

Há sempre esperança, Isabel, quanto mais não seja por auto preservação para não entrar em desespero.
Aguentará mais cirurgias? conseguirá encontrar o espírito positivo necessário para enfrentar o que ainda vem. É uma incógnita.

Luis said...

Que isto seja possível deixa-me parvo.

Hoje vi uma citação do Mohammed Ali, que o que nos cansa não são as montanhas, é a pedra no sapato.

Neste caso nem distingo bem o que é montanha e o que é pedra.

Não te digo "força" porque das vezes que me disseram isso nunca me senti com mais força. É daquelas coisas que se dizem e depois vai-se jantar.

Mas olha que estamos aqui para partilhar a montanha, quanto mais não seja porque sentimos o o caminho que está a fazer.

E se algum conselho prático te posso dar é para aligeirar a carga, e não faças mais do que é possível fazer, que acaba por não ter os melhores resultados.

beijos

inconfessável said...

Aligeirar a carga é que é muito difícil.
Comecei agora e ele à espera que estivesse as sete horas da visita no hospital.
Não consigo, já não consigo, mas o olhar dele quando digo que me vou embora é de fazer chorar as pedras da calçada.
Não sou capaz de estar, mas vir embora é mais difícil ainda.
Há sempre o instinto de auto preservação e preciso dele.

beijos

Luis said...

tudo se resolve, vais ver

inconfessável said...

:)

Isabel Pires said...

Inconfessável,

Tenho andado a pensar nisto que vou dizer porque sabia ainda menos como dizê-lo, que continua a ser pouco. Andei a escrever aos bocadinhos, num rascunho que fui alinhavando.

Não devemos fazer pelos outros mais do aquilo com que nos sentimos bem.

Posto ao contrário: não devemos fazer pelos outros aquilo que entra no domínio do que sentimos como penoso, isto é, sacrifícios que só têm em vista o outro e para nós representam uma carga imensa que quase sem se dar por isso resvalam para a revolta e para o amargo.

O que disse é genérico e transversal, não se aplicando apenas à zona da doença.

E o que disse tem imensas nuances, que são influenciadas por circunstâncias e dependem muito dos laços que existem e que não têm que ver só com sangue.

Também entra ali no sentirmo-nos bem aquela parte muito importante de o nosso sentir bem advir essencialmente da satisfação de fazer os outros felizes; aquele fazer bem que nos faz sentir bem.

E aquela minha primeira afirmação que tenho consciência soar a egoísmo pelo menos à primeira leitura, tem muito que ver com o que disseste das visitas e com a forma como disseste.

Visitas de sete horas e já muitos dias (não sei bem quantos; mas pelo menos três semanas já serão), asseguradas só por uma pessoa, por ti, não é... faltam-me palavras... não é sensato, desequilibra qualquer um.

Não percebi se o fazes porque entendes dever fazer ou se ele (digo assim porque sempre te referiste à pessoa desta forma, como "ele") te pede ou, ainda, tu julgas que ele quer, embora não peça.

De qualquer modo, dá a sensação que isso está a ser muito difícil para ti a vários níveis, o que é normal, e as resistências estão a desaparecer.

E se não estivesses tanto tempo? Pelo menos nalguns dias. Sei que se for a pessoa a pedir é mais complicado... Mas mesmo que seja a pedir, se procurasses nalguns dias estar menos tempo?

Mesmo que o tempo 'não te faça falta', talvez te faça falta usar uns minutos que sejam para te sentares numa pedra, respirar fundo e olhar para o ar. Um pedacinho de tempo para ti.

(Continua a seguir porque isto não deixa entrar mais de 4096 caracteres.)

Isabel Pires said...

(A continuação)

Há vinte e tal anos, durante uns oito meses, tive de tratar de uma pessoa, familiar, que teve um acidente aparatoso, com vários internamentos e várias cirurgias.

Sendo mais nova, e a idade faz muita diferença num certo tipo de resistência, cheguei a ficar completamente esgotada porque a carga recaía totalmente sobre mim e eu quis atender a tudo o que era pedido. (Há outra coisa: em certas pessoas, normalmente as que já são dependentes em condições normais, a doença leva-as a reforçar essa dependência e sentem-se no direito de exigir; a fragilidade pode levar a isso.) Não considero que tenha feito bem porque já era mais um trapo e sem capacidade de tratar de outras coisas importantes. Não devemos perder o pé em relação à consciência dos nossos limites.

Há sete anos, eu tive de dar mais ouvidos a quem mexe e cuida das coisas relacionadas com o nosso comportamento. E há duas ou três máximas que retirei da situação que me levou até lá e do que me foi dizendo.

E vou dizer por palavras minhas.

Sobretudo nos momentos difíceis, habituei-me a pensar que temos uma vida extra. Extra no sentido de haver um reduto de resistência que ainda não era conhecido, que pode ser usado para não nos deixar afundar. Há um tempo disse-te, e já não sei se foi aqui, que nós temos uma capacidade gigante de nos reerguermos. Mais ou menos, este pensamento está sempre latente em mim porque passou a ser preciso sem ser preciso a olho nu.

Fizeram-me ver que todos os dias eu devia fazer algo que sentisse que estava a fazer por mim e para mim, 'apenas' para me sentir bem, como se fosse obrigada a tomar um antibiótico para a seguir colher a cura por dentro. Quando há muito à volta para resolver, até nos podemos penalizar por estar a usufruir desse luxo de usar uns minutos para olhar para uma fotografia bonita, ler três frases fora das obrigações, beber um café sem pressa... o que for.

Não sei se o ter agarrado estes "ensinamentos" é bom sinal. Sei que me ajudaram a levar melhor o possível, transformando a pouco e pouco esse possível em algo que é maior do que esse possível.

Às vezes, saber de certas experiências de outros e certos traços a que se agarraram e agarram, ajudam a ver uma peça qualquer do puzzle que ainda não se tinha encontrado. Foi por isso que fiz esta conversa.

Se puderes, e podes porque consegues, no meio do caos arranja um bocadinho para ti.

Recordo-me de dizeres que vives no fio da navalha e até o disseste com um sentido pouco habitual. Normalmente diz-se isso quando estamos/fomos confrontados com a morte; tu referiste-te a não ter rede de apoio. Pareceu-me ser escolha, embora estas escolhas não sejam bem escolhas. Também entendo que é melhor não ter rede de apoio do que ter uma espécie de... sobretudo nestas ocasiões em que é preciso que respeitem o nosso espaço e tempo, até porque o 'ritmo respiratório' difere muito de umas pessoas para as outras e é cada vez mais raro encontrar quem entenda e respeite a nossa respiração.

Sei que escrevi muito.

inconfessável said...

Não, não escreveste muito, Isabel. Obrigada.
Ele, é o meu homem, odeio dizer marido :) a mim, 'marido' tem sempre um sentido de obrigação a qualquer coisa, além de que foi o meu homem durante 11 anos e só depois casámos.

Viver no fio da navalha, também tem a ver com o viver com alguém, no meu caso. Nunca fiz promessas ou comprometimentos de 'viver para sempre'. É uma escolha que faço diariamente e que me dá uma imensa liberdade. A porta está sempre aberta e isso conforta-me.

Não são três semanas, Isabel. Faz dia 6, oito meses e sim estou esgotada, psicológica, mental e fisicamente.
Não tenho sentido como obrigação, quero estar com ele e em casa, embora descanse alguma coisa, não me sinto bem por estar separada dele. Éramos muito independentes, é isso que no meio deste caos tem alguma graça.

Sempre tive uma capacidade de resistência imensa, mesmo no trabalho. Por feitio, dou sempre o meu melhor e resisto. Claro que a idade não ajuda.
Falta-me, principalmente o sorriso e as gargalhadas.

Está agora no amadora/sintra e já reduzi o tempo. Claro que ele está egoísta.
Temos um filho que ajuda no que pode, mas vive em Carcavelos, tem dois filhos que vivem com ele e trabalha no Norte, por isso não faz mais por não poder e por não lhe ser pedido.

Sei exactamente do que falas, que tens razão, mas sou incapaz de retirar mais do que duas horas a um horário de visitas de oito horas e meia. Ainda por cima, sei que se não tivesse sido eu lá estar, ele estaria hoje paraplégico e é essa a compensação enorme.

Também é verdade que acho que nunca tenho tempo para olhar para mim e que por causa de ele estar doente me caíram coisas em cima que não estava à espera, que tenho de fazer com pessoas que não gosto (fechar uma empresa que também é uma sociedade) e que tem sido tão difícil.

É a vida :)
o que sinto, principalmente, é que não é o meu tempo. Que terá de vir, não sei é quando, porque quando voltar para casa, talvez lá para o fim do ano, a coisa também não vai ser nada fácil.

Um dia de cada vez, frase mais do que batida, foi o que aprendi durante este tempo e tem sido a única maneira de conseguir viver. Recusar ver o amanhã ou pensar nele, e quando o faço arrependo-me de imediato.

beijinho, sentido

Luis said...

Há um provérbio qualquer que diz para se pôr a cabeça onde está o corpo, ou o corpo onde está a cabeça, ou qualquer coisa assim. Ou talvez esteja a inventar.

O que sei que é que desde pequeno que tenho hábito que quando não quero penar numa coisa coisa penso noutra. A minha mãe dizia-me que isso a irritava imenso porque quando me punha a ralhar, eu "partia".

Parafraseando um poema. Não te demores onde não seja para demorar. O corpo tem mais obrigações que a cabeça. Essa é relativamente livre.

Achei graça à questão do homem/marido.

Dizer o meu homem soa estranho. Mas um homem dizer a minha mulher é normal porque não marida.

Já ouvi imensas expressões para designar as cara metades, mais ou menos estrnhas, mais ou menos engraçadas.
A última foi a dum antigo patrão que encontrei à pouco tempo numa dessas esquinas. Nós comunicamos em inglês, e ele chamou-lhe "my new life partner".

Luis said...

*quando não quero pensar numa coisa coisa penso noutra
*é normal porque não há marida.

inconfessável said...

Que engraçado, Luís.
Ainda ontem, mais uma vez, expliquei isso ao meu homem.
('Meu homem' é uma expressão utilizada, pelo 'povo', por isso todos a consideram pirosa, foleira, o que queiras :) Acho que faz todo o sentido. Talvez mais carnal, mas não é apenas companheiro, apesar de isso já ser muito.)

Quando tivesse com saudades minhas que pensasse nas coisas boas que temos tido.
Para mim não é tão fácil porque fico angustiada e é mais difícil de lidar com a ansiedade.

...mas há esposa e fico toda arrepiada quando me perguntam se o sou LOL

Isabel Pires said...

Inconfessável, reparei bastante na "preocupação" em explicares a forma como te diriges ao teu homem, e como sou especialmente atenta a estas questões da linguagem que são muito permeadas pela educação, preconceitos, o que se julga esperarem de nós, o que sentimos... tive logo vontade de dizer algumas coisas que, entretanto, ficaram retidas num rascunho que fui construindo aos bocadinhos.

Sem ordem, algumas ideias, preferências, coisas da educação, usos e costumes...

1) Dizer meu /minha homem/mulher ou meu/minha marido/mulher, ou outros meus/minhas... objectivamente não tem diferenças ao nível da obrigação, posse, subordinação, submissão... O que de facto confere essa carga, esse poder, é o pronome possessivo. É o meu/minha que pode levar a isso.

2) Pela origem das palavras, as que etimologicamente expressam a situação de casamento/matrimónio, são esposo/esposa, cônjuge e marido. Mulher já não em termos da etimologia, embora o uso possa remeter, e remete, muito para essa condição.

3) Não gosto nada de nada de esposo/esposa. Há uma formalidade que briga comigo.

4) Não gosto de companheiro/companheira. Faz-me lembrar aquilo do companheiro de carteira da escola primária (apanhei aquelas carteiras de dois lugares) ou assim qualquer coisa ligada a escuteiros, acampamentos e isso.
Ah, também me faz lembrar "compagnons de route" e daí uma associação qualquer, vaga até, a tudo ao molho, que não se dá bem comigo.
É muito raro que pessoas abaixo dos cinquenta anos utilizem. Reparo que dizem-no muito pessoas formatadas pela instituição casamento e que não tendo esse estado civil, querem deixar claro.

5) Marido/mulher não gosto nem desgosto, coisa de encolher os ombros, é do tipo 'vai bem com todas as situações', que pode dizer-se em qualquer lado e a qualquer pessoa (tanto ao patão como ao amigo) e se não apetece que olhem de lado, façam perguntas. Ainda há pouco tempo, uma pessoa da minha idade disse-me referenciar desta forma porque não gostava de dizer namorado/namorada. (Isto costuma ser mais usado por gente novinha, mas a pessoa até tem uma certa idade.)

Agora até gosto menos de ouvir marido/mulher porque me tenho apercebido de questionamento acerca deste jogo de palavras para magoar. Por exemplo, até já me têm dito assim :"ah, tu disseste marido/mulher... olha agora, mas eles alguma vez casaram? vivem juntos, é o que é. Quanto muito são amantes." Pronto, lá vem a tonteira de que o casamento feito em assinatura conferir algo de maior às gentes, coloca as pessoas num patamar que os diferencia para melhor dos restantes mortais. O detalhe de "amante" com carga negativa também é curioso. Gosto muito da palavra amante e conseguiria dizer num círculo restrito (porque se necessário explicação perde a magia).

(Continua a seguir)

Isabel Pires said...

(A continuação)

6) Gosto muito de meu/minha homem/mulher. E esta agora requer mais demora.
Recordo-me de ouvir comentar no círculo da geração dos meus pais que não era bem visto uma mulher dizer "meu homem" porque isso não era próprio de 'mulher como deve ser'.
Hoje continua a ver-se que a expressão tem muito desta carga. Aliás, é esse mesmo motivo, o de remeter para algo mais físico/carnal, que até pode nem o ser, mas maior proximidade é, que ao mesmo tempo faz com que alguns rejeitem o termo e outros gostem muito. Ou seja, gosta-se ou detesta-se a expressão pelo mesmo motivo.
Também se verifica que mulheres com idade a partir dos 45/50 e de certas áreas geográficas do nosso país começaram por dizer mais cedo com mais à vontade.
Reparo que esta expressão dita de mulher para mulher - "o meu homem" - normalmente é interpretada de uma destas formas: "esta tem garra, é corajosa"; "olha a saloia, parece aquelas malucas a falar." A critica negativa é muito referenciada.
Por acaso nunca falei com um homem acerca do que pensa ou como lhe soa ouvir uma mulher dizer "o meu homem". Tenho a sensação que no geral recebem bem e que não são críticos como as mulheres. Também tenho a sensação que lhes cairá bem saber que a mulher com quem vivem se refere a ele como "o meu homem". A ser assim, não sei se gosta mais pela proximidade para que remete a expressão ou se para algo recôndito da cultura e que tem a ver com posse.

7) Gosto muito e mais ou menos equivalente ao 6), quando se usa o nome.
Claro que no início ninguém sabe. Mas se se disser assim, "(nome), que é com quem vivo ou a pessoa com quem estou... ", toda a gente que está para o bem, percebe. Quem está para a porcaria de escavar, entra no delírio de minudências com perguntas sobre a figura detalhada da relação.
Isto do tratamento pelo nome até é uma coisa idêntica ao que se faz com os filhos. A partir do momento em que eu diga "A Maria, que é a minha filha", todas as vezes que as pessoas me ouçam dizer Maria sem mais nenhuma explicação, sabem que me refiro à minha filha. (Foi um exemplo. Não tenho filhas; apenas um filho.)
Às vezes gera-se alguma dificuldade de, de fora, saberem como fazer. Já me aconteceu ter de dizer mais ou menos isto para "normalizar o ambiente": "olha, a pessoa com quem vives, que ainda não disseste o nome e não sei como devo referir..." Normalmente a pessoa diz o nome e a partir daí é isso que conta e não há mais dificuldades.
A utilização do nome para referir a pessoa com quem se vive é enquadrável num binómio de proximidade/distanciamento respeitoso. Ou seja, tanto é muito utilizado por pessoas que sentem a relação como algo muito forte, algo que é uma das áreas mais importantes da sua vida e galvaniza; assim como é usado por pessoas que não gostam da eventual posse que se liga a "meu/minha" acompanhado de qualquer expressão, e em que a relação não é tida como projecto-âncora ao nível afectivo.

8) E quando as pessoas se separam?
Há tempos, em conversa com um homem mais ou menos da minha idade, ele reparou na minha linguagem e disse-me a certa altura: "Ah, tu dizes o pai do teu filho... Pois, em relação à mãe dos meu filhos, eu digo a minha ex, ou a minha ex-mulher." E continuámos a discorrer sobre a coisa, em que lhe disse que talvez se expressasse assim por manter proximidade com a pessoa, o que não tem ponta de semelhança comigo. "De facto é isso; acho que se não fôssemos amigos, diria de outra forma."
Curioso que no início do tempo de separada ou se falava com alguém que não conhecia, referia isso do ex... Depois naturalmente a expressão não me fazia sentido. Na verdade, remetermos as pessoas para ex, não é coisa que me agrade.
Quando não há filhos, costuma usar-se ex, nome seguido de 'a pessoa com quem vivi'...

Ah, não gosto da expressão cara metade e outras do género... porque ligo sempre a algo de ridículo, mas não sei bem porquê.


Acho que ainda me falta qualquer coisa...

inconfessável said...

Isabel, sei que o meu/minha tem referências com a posse, mas não posso dizer só homem, ou mulher.
Como é evidente, com pessoas que o conhecem refiro-o pelo nome. também digo o pai do meu filho, porque tenho dois filhos, cada qual com o seu respectivo pai. :)

Não sei a tua idade ou a do Luís, sei a minha. São coisas que nunca vou ver, por não me interessarem e não ser minimamente curiosa no que diz às pessoas. Gosto ou não gosto e aceito o que querem dizer ou o que não dizem.

Fui a amante com sentido pejorativo, embora ele estivesse separado e eu em vias de o ficar, quando o conheci.
Foi por isso que surgiu o 'meu homem', eu que sou Lisboeta de gema, mas que conheço bem a 'província'. Depois de casada, nem pensei sobre isso, mas continuei a dizer 'meu homem'.
Também gosto muito da palavra amante. Quase a utilizei, mas era por pura provocação e as 'guerras' iriam ser muitas. O 'meu homem' foi uma escolha pensada, não surgiu de forma espontânea, mas tinha sentido e gostei de o pronunciar.

Sei racionalmente que marido não impõe obrigação, mas emocionalmente, para mim, põe, talvez por ter tido um 'meu marido' :)

Esta afirmação vem com o esforço e cansaço mental que faço nos hospitais a falar com enfermeiras/os e médicas/os, e agora já baralho tudo. O meu marido não me sai com à vontade, tenho sempre de pensar.

Isabel Pires said...

Apesar de ter falado duas ou três vezes no facto de a variável idade influenciar certa linguagem que se utiliza, nem me ocorreu referir a minha idade porque o que disse tem mais que ver com o meu interesse/estudo/conhecimento advindo da minha área de formação, do que com a idade que tenho.

Considero-me muito reservada e julgo-me bastante atenta a zelar por esse lado no que respeita à minha exposição e à de outras pessoas que conheço e que de algum modo lidam comigo, daí ter bem definido para mim que há apenas três dados pessoais que refiro de borla, digamos assim.
Trata-se do nome, da idade e da prole.

Tenho 53 anos (sou de Janeiro de 1964), tenho um filho e dois netos.

Já tinha dito a minha idade pela blogosfera, uma ou duas vezes e quando fez sentido, como entendi agora.
Sempre gostei das várias idades, sempre gostei de as dizer de forma segura, sem hesitações e sem aqueles apêndices deste tipo "ai que horror, já tenho cinquenta". Não gosto que não se possa falar à vontade sobre a idade, onde encaixa aquela coisa de não se poder perguntar a idade a uma senhora.

Para completar aquela questão da reserva.
Há dados pessoais que faço questão de não revelar publicamente por motivos de segurança que entendo dever acautelar, e não por razões que tenham que ver com exposição de intimidade de per si.

inconfessável said...

Oh Isabel, eu não estava a perguntar a tua idade e apetece-me acrescentar, como dizia a minha avó, valha-me deus :)
Vê lá tu que pensei que a poderias ter no teu blog.

Gosto de fazer anos, é uma celebração interiorizada, mas não gosto de soprar velas ou que me cantem os 'parabéns a você' e é-me indiferente se alguém entre os amigos se esquece, por isso digo com facilidade a minha idade da qual me orgulho, não sei porquê.
Sou de Fevereiro e tenho 69 anos.

Isabel Pires said...

E notícias?

inconfessável said...

Olá Isabel

Esta no mesmo serviço no Amadora/Sintra e está ser muito bem tratado, mesmo muito bem.
No outro dia uma médica disse-me que ele estivera no serviço apenas dois dias, como quem atira o barro à parede.
Respondi-lhe que estivera sete dias e que sabia o dia da entrada e o dia da saída, que sabia o nome da médica que o assistira durante quatro dias e que sabia tudo sobre todos os episódios, que já estavam no meu advogado (o que é mentira) e que só estava à espera de mais um erro do hospital para pôr um processo ao mesmo.
Ficou tudo esclarecido.

Fez na semana passada uma PETE na Fundação Champalimaud: continua com a infecção no fémur e não sei como passará.

Está a recuperar, faz fisioterapia e nesta segunda-feira assisti e fiquei horrorizada. Ele está praticamente a recusar fazê-la, sem disso ter consciência. Zanguei-me.

Entretanto, estou a ir só dia sim dia não, psicologicamente estou de rastos. Apesar disso continuo com um cansaço extremo e perdi muito peso. Ainda por cima desmaio com o calor e este tempo não me ajuda.

Não sei como o ajudar. Está apenas na mão dele e tenho a sensação que não sirvo para nada.
Quando estou com ele embirra comigo e eu não aguento mais esta pressão.
Falei mais de mim do que dele, nem dá para acreditar.

Obrigada pela tua preocupação.

beijinho

Isabel Pires said...

Se está a ser bem tratado e a recuperar, são boas notícias.

Não sei bem o que queres dizer com o estar praticamente a recusar fazer fisioterapia sem disso ter consciência, uma vez que disseste há um tempo que está consciente.
Talvez queiras dizer que não está a colaborar, o que pode ser interpretado como uma forma de recusa.

Acho que já disse por aqui que há cerca de três anos, e após uma cirurgia, fiz cinco meses seguidos e diariamente sessões de fisioterapia. Fui muitas vezes até às lágrimas e vi outros irem. E aí percebi, porque técnicos e médicos diziam, que pelo menos metade do eventual sucesso da terapia dependia de mim. Hoje sei que se não tivesse lutado tanto naquele calvário(como vi outros lutarem)as funções do braço estariam muito comprometidas e assim há uma limitação que praticamente só eu dou conta e não interfere grande coisa na rotina.
Mas essa experiência também me levou a pensar que os limites do suportável são diferentes para cada pessoa. Se é fraqueza ou fragilidade não forçar os limites da dor? (Falo em dor porque é uma evidência quando se progride na fisioterapia. Para se ganhar mais, tem de se passar por muita dor.)Porque umas pessoas conseguem e outras não? Porque umas dizem 'assim já chega para mim' e outras querem ir para além do já chega? Porque umas pessoas têm uma capacidade enorme de resistência à dor e outras quebram com desconforto?
Não posso responder-te. Pelo respeito por um lado e pelo outro.
Isto para dizer que o que tomas por 'recusa' pode ser o limite que não consegue ultrapassar. Mas acho que deve ser incentivado a ir mais longe.

Fiquei com a ideia que a revolta dele está a vir ao cimo e talvez transfira isso para ti. Essa é uma parte difícil de lidar, julgo. Também na doença e noutras adversidades não controláveis, mantém-se a tendência para arranjar culpados... Há algo no inconsciente que leva a usar essa fuga para aliviar.

Que venham dias melhores
Beijo


inconfessável said...

Olá Isabel

Eu sei que o limiar da dor é diferente de pessoa para pessoa. Sei, por exemplo, que o meu é enorme e que quando me queixo a maior parte das pessoas já rumou as hospitais.
Sei que a dele é muito menor.
No fundo, ele está permanentemente a sabotar-se, seja na fisioterapia, seja noutras coisas.

Já lhe expliquei que não pode vir para casa sem andar e que só está na mão dele.
A revolta existe, evidentemente, só que não aceito que seja contra mim, por mais que isso seja normal, dizem enfermeiras.

Já foi feito o pedido, pelo hospital, para ser transferido para Alcoitão.
Lá vai sofrer muito mais, ou mandam-no embora.
É ele que tem de escolher se quer vir para casa ou para uma unidade de cuidados intermédios, o que será provavelmente até ao fim da sua vida.
Não posso fazer mais nada. Já não está na minha mão.

Espero que venham melhores dias, tenho esperado sempre.

Beijo

Luis said...

Neste mundo cada vez mais virtual dominado pela internet e dispositivos "conectados", quantas pessoas passam os dias sentados frente a uma máquina seja PC ou telemóvel?

Primeiro foram os jogos que fugiram do mundo "real" para os computadores, agora é quase tudo o resto. Imagine-se perder a mobilidade nos dedos e deixar de poder teclar e usar pcs ou perder a capacidade de andar. A mobilidade acaba por perder importância.

O pior é já não poder cuidar de si, os lares tornam-se uma quase inevitabilidade e são lugares deprimentes. Pessoas sentadas a olhar para uma parede à espera de nada. A próxima geração provavelmente olhará para o facebook. A sensação será diferente e a sensação é tudo (quase).

inconfessável said...

Olá Luís

E quantos homens da minha geração serão capazes de cuidar de si, quando estiverem sozinhos?

Repara: percebo a revolta. Tem sido um túnel muito comprido em que só uma vez viu a a luz, quando pôde vir para casa. Durou apenas oito dias.
Desta vez ele não a consegue ver a não ser através de um sofrimento incalculável e tem medo, recusa o sofrimento pelo muito que já sofreu.
Mas a revolta não pode ser virada contra mim, ou serei eu a ir parar ao hospital por esgotamento psicológico.

Acho que já percebeu, mas está ali (a revolta) e a tensão sente-se.

Virão dias melhores

beijo

Isabel Pires said...

Tenho consciência de que o que vou dizer está contra a maré, assim como tenho consciência de que estou num espaço público.

Fui obrigada a pensar muito numa possibilidade de ficar dependente, sem que tivesse que ver com a velhice, e também que tal pudesse ocorrer em simultâneo com perda da consciência e, portanto, sem ter condições para decidir.
Isso ocorreu no período mais negro da minha vida, não muito distante no tempo mas que sinto já muito longe de mim e ainda bem. Aconteceram-me coisas más (que se sucederam, como um íman) mas que podiam ter sido muitíssimo piores se me tivessem atirado para uma situação daquelas.
E depois de ter reflectido muito nessas questões da dependência, disse ao meu filho (a pessoa que em princípio estará sempre) que se um dia isso vier a acontecer que queria que me pusesse numa instituição, que preferia a ser tratada a tempo inteiro pela família.

E é rigorosamente o que continuo a pensar e a querer para mim porque considero o mais sensato.
Isto porque não queria que deixasse de fazer as coisas que precisa e que gosta de fazer, o que não seria compatível com um dependente a tempo inteiro.
É impossível que alguém que cuida de outra a tempo inteiro, às vezes muitos anos seguidos, que não acuse um tipo de cansaço misturado com amargo e revolta. Vejo muito isto à volta, as pessoas dizem-no.
Nos anos em que a situação se desenvolve, e às vezes são muitos anos em pessoas novas, se não houver nenhum apoio extra, há pelo menos duas pessoas que estão a perder muita vida: o dependente e o cuidador.
O que pode ser feito para o dependente ter um tempo melhor é muito influenciado pelo ânimo que o cuidador ou responsável por aquela pessoa tenha. E se estiver em carga vinte e quatro horas, dias e anos seguidos, aquela pessoa não consegue conservar o ânimo num nível satisfatório. Ou seja, às tantas temos duas pessoas afundadas.
Se a responsabilidade puder ser dividida com essas instituições (há que escolher bem, claro), há possibilidade de haver maior equilíbrio.

Lugares em que as pessoas estão a olhar para as paredes à espera de nada, como disse o Luís em relação aos lares. Sim, mas isso também acontece quando se está noutro lugar em situação de dependência, desta que estamos a falar.
Não será a circunstância de grande adversidade que marca a diferença, mais do que o lugar em que se está?

Acredito que o meu ponto de vista possa ser interpretado como frieza, sobretudo se se estiver perante um cuidador que tem disponibilidade de tempo. Como na restante panóplia de opostos, entendo que é preciso manter o frio da lucidez para se poder sentir e dar o calor, o quente. E quando as pessoas chegam a estados de esgotamento perfeitamente normais de acontecer quando não existe mais nada que respirar que doença e sofrimento à volta, não podem dar mais que o comer à boca, lavar e isso.

Socialmente costuma ser mais valorizado quem toma para si o exclusivo do cuidar, a parte visível do sacrifício até ao limite pelos outros, em vez do que eu chamo de sensatez por aliviar a carga, mesmo que se comprometa o dar mais importante e o acautelar uma nesga de vida normal que importa manter. Também por isso, por esse estigma de ser visto pelos outros como alguém que não se importa e que não se sacrifica ao máximo, há quem opte pela exclusividade do cuidar.

E estou a lembrar-me que nos é pedida uma atitude ambivalente perante o sofrimento.
Por um lado, é desvalorizado um certo tipo de sacrifício que devemos fazer por nós, por vezes com o "já chega". Falou-se na fisioterapia. Sim, cheguei a ouvir "mas se já fazes tanta coisa, escusavas de sofrer mais". As notas da escola, se já chegam para passar; o trabalho, se nesse já ganhas para comer...
Em relação aos outros, os outros vão achar que nunca fazes os sacrifícios suficientes, que podes e deves ir sempre mais longe.

(Continua a seguir porque ultrapassei os 4096)

Isabel Pires said...

(Continuação)


Sobre o perder a mobilidade.
Qualquer função que nós percamos, tem muita importância, mesmo que habitualmente não tenhamos que a usar muito.
O que o Luís disse acerca disto deixou-me a pensar se certas funções são mais importantes para umas pessoas do que para outras. Ou seja, se devemos ter na nossa cabeça uma espécie de hierarquização da importância das funções consoante o que mais faço na vida, ou se entrar-se por essa via não é uma porta aberta para a desumanização e até para uma certa crueldade? Por exemplo, é legítimo dizermos que é menos importante para uma pessoa cujo trabalho se faz a partir de um computador perder a mobilidade das pernas, deixar de andar, do que para um cozinheiro? Julgo que não, que isso seria reduzir a importância da vida de uma pessoa a uma parte do que faz. Quem trabalha ao computador também precisa das pernas para andar e fazer coisas de que gosta e se perder essa possibilidade é verdadeiramente dramático para essa pessoa, embora seja menos aos olhos dos outros quando o comparam ao atleta que perdeu as pernas.

A propósito: o sofrimento deve ser interpretado neste nível de relatividade? Ou só se deve aplicar essa relatividade ao que acontece connosco e não em comparação com os outros?
Na minha opinião não é justo comparar sofrimento entre pessoas. Por exemplo, se eu disser "mas eu passei por muito pior do que tu", é revelador de falta de sensibilidade. Mas se eu disser: "esta situação foi menos difícil para mim do que o problema que tive de resolver há um mês", tudo bem porque tenho a mesma base de análise.



inconfessável said...

Olá Isabel

Como eu gosto da tua maneira de pensar. Obriga-me a pensar sobre o que sei implicitamente.
Eu prefiro a eutanásia e podes crer que não tenho nada de suicida. Tive uma época tão negra que pensei muito nisso. Talvez por ter revisto centenas de vezes como o fazer, optei por seguir em frente, quando na frente só existia um buraco.
Só expliquei isto por saber que, se tiver alguma vez Alzheimer, o farei, se ainda não se puder recorrer à eutanásia.

Nas outras situações, também já disse aos meus filhos que não quero que sejam eles a tratar de mim, nem sei como o poderiam fazer. Estamos de acordo.

Desmaio com o calor, por isso nestes dias não consigo ir ao hospital que não tem ar condicionado. Claro que já me disseram para ir ao fim do dia quando não estivesse tanto calor, por ser a cuidadora. Tenho pouca paciência para este tipo de conversas e eu é que sei os meus limites. Depois, ligo tão pouco, há tantos anos, muitos anos, ao que pensam sobre mim.


Também sei que se o 'meu' não conseguir aguentar a dor, não poderá vir para casa e que não serei eu que cuidarei dele. Vir para casa implica poder dar uns passos. Foi assim que voltou quando teve a alta que durou oito dias, mas estava a recuperar.
Sem o poder fazer não poderá voltar e quem sou eu para lhe poder 'exigir' que aguente o que para ele poderá ser inaguentável?
Por isso mesmo, a minha profunda angústia, o meu terror.

Qualquer função é igualmente importante, mas acho que isso depende de pessoa para pessoa. O que me acontece a mim, só por mim pode ser valorizado, ou não.
Por isso mesmo, o sofrimento só se pode aplicar a cada pessoa e nunca em comparação com outros.

Luis said...

Sim tudo é relativo e tudo tem a sua importância.

Mas isso não nos deve impedir de ver o que é objectivo e o que é comparativamente mais importante.

Deram-me um lápis para a mão e pediram-me para o descrever, disse que era amarelo e que tinha uma ponta bicuda.

Não disse que tinha uma textura macia e a ponta áspera. nem que só tinha algum sabor na ponta.
Muitos menos que fazia um som toc toc ao bater em algo.

Todos os sentidos são importantes, mas dizer que os sentidos são todos iguais é tolice.

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Inconfessável, uma coisa que me custa imenso a fazer porque me é contra-natura, mas que tento sempre fazer.

Não sofrer em antecipação pelo que ainda não aconteceu, e que não controlo nem depende inteiramente de mim.

Faz o que sentes que tens a fazer, mais nada. O resto se acontecer, então preocupa-te com isso.
Até lá, pensa em borboletas ou noutra coisa qualquer, que não faz diferença nenhuma e atormenta muito menos.

inconfessável said...

Olá Luís

Sei isso tudo, meu lindo, mas às vezes é mais difícil do que parece.
O 'contra-natura' é que me custa a engolir :)

Luis said...

Eu sei..
É por isso que estou a aproveitar, que dizer é bem mais fácil ;)

inconfessável said...

Obrigada, Luís :)

Isabel Pires said...

Está a correr bem, Inconfessável?

inconfessável said...

Olá Isabel e Luís

Demorei a responder porque sinceramente não sei o que dizer.
Ele já melhorou e agora piorou.
Tem mais uma bactéria multiresistente. Uma infecção urinária que também não conseguem combater e continua em isolamento.

Eu estou melhor do ponto de vista físico, estou menos tempo na visita, o pior é vê-lo a piorar a ter mais dores, a perder a lucidez quando lhe aumentam o analgésico, a não comer, as escaras, etc.
Vou-me aguentando. :)

Obrigada oas dois pela vossa preocupação

Isabel Pires said...

inconfessável, que venham dias bons, pelo menos melhores aos que relataste por aqui no ano que está quase de saída.

inconfessável said...

Obrigada Isabel

Já não corre perigo de vida. Para o ano, talvez ainda em Janeiro, irá ser operado ao fémur e músculos da perna direita, mas o cirurgiões dizem que é só para ver se conseguem
que a perna fique em posição tal que lhe permita sentar-se.
Logo se verá.

Boas festas para ti, também, que o Ano Novo te traga, mais felicidade do que tristezas.
Frases feitas, mas sentidas.

Beijinho Isabel e obrigadíssima por te teres lembrado.

Luis said...

Que ano novo seja um novo ano, ou que o novo ano seja um ano novo
e sei que vai que vai ser um ano melhor

Isabel Pires said...

inconfessável, passou Janeiro... Houve cirurgia? Como está a correr?